Uma viagem de autodescoberta e abertura de visão de mundo, trocas e diálogo, em Angola e Moçambique, através do projeto SolAfrica, da Faculdade de Teologia, em SP. Uma equipe, quatro áreas, várias experiências, colhendo impressões, histórias, emoções, vivências, compartilhando conhecimento e amor, em terras africanas.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
AS LÍNGUAS EM MOÇAMBIQUE
Oficialmente Moçambique fala português (com sotaque similar ao de Portugal); essa unidade linguística foi imposta pelo conquistador séculos atrás. Dessa forma ele poderia definir regras e ensinar seu modo de vida, para facilitar o processo de dominação. Para os africanos, foi mais uma língua para aprender. Aqui convivem diversas línguas: apenas para exemplificar, dependendo da província (o estado moçambicano) há uma língua local predominante. O xitswa, que estou aprendendo, é a língua predominante na Igreja Metodista e na região de Inhambane, mas não é a única, pelo contrário, são dezenas de línguas que convivem e predominam de região em região (veja o post com o quadro das línguas de Moçambique).
O que acontece na verdade, então, é que as pessoas se comunicam no cotidiano em sua língua local; o português é o idioma de unidade nacional (o presidente fez o discurso da Independência em português), não porque não se entendam em suas línguas, mas para que não haja um sentido de dominação de um grupo sobre os demais. Pelo menos é a percepção que tenho; com o fim da dominação portuguesa, eles bem poderiam ter banido essa língua daqui, mas não o fizeram. De fato, manter o país com a fala lusófona é importante do ponto de vista das relações internacionais, haja visto a parceria SOLAFRICA, que só é possivel graças ao idioma comum.
No entanto, e para confirmar o que afirmei sobre o cotidiano, o que se percebe em Moçambique é que a língua portuguesa não é falada de maneira natural, como parte da cultura. De fato, fala-se um português estrangeirado, e algumas pessoas têm um sotaque tão forte que não entendemos o que dizem. Da mesma forma, de nossa parte, se falarmos o português "brasileiro" também não seremos entendidos. Precisamos falar pausadamente, utilizar o particípio mais que o gerúndio (estou a falar, em vez de estou falando), não usar gírias e nem termos muito complexos, a não ser que os expliquemos.
Para um estudioso do Novo Testamento, isso me fez perceber como deve ter se dado o uso da língua grega na Galileia, por exemplo (mas tambem em outras regiões dominadas cujo o idioma local não tivesse relação com o grego): falava-se um grego limitado, apenas para tratar de comércio e com estrangeiros, mas no cotidiano era o aramaico a língua utilizada. Desse modo, é possível entender também que uma "helenização" da Galileia deve ter sido muito limitada, especialmente forte nas cidades helenísticas e romanas que foram fundadas pelos dominadores, e muito fraca nas áreas rurais e aldeias circunvizinhas, como acontece aqui.
Essa análise - simplista e leiga, na verdade - de uma antropologia linguística em Moçambique nos mostra como funcionam sistemas similares de dominação estrangeira sobre um povo que não viveu o processo de miscigenação e sincretismo cultural. Mais uma vez o Brasil é um caso a parte, e por isso a vivência em terras estrangeiras é tão rica, quando estamos abertos a perceber as diferenças e as respeitamos.
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